Cachoeira do Poço, Ecoparque Sperry, Canela RS. |
Quando no planeta Terra ainda não existia
nenhuma forma de vida vagando pelas águas, terras ou ar, os únicos sons que
existiam eram os próprios da natureza, como o trovão, o vento açoitando rochas,
a água debatendo-se em seu caminho nas margens e cachoeiras, os vulcões
vomitando as entranhas da terra e as ondas do mar quebrando nas praias. Estes
eram os sons que identificavam as paisagens da terra ancestral, chamados
tecnicamente por Bernie Krause de geofonias,
ou os sons da terra.
Rio Silveira em São José dos Ausentes RS. |
Por volta de uns seiscentos milhões
de anos atrás, começaram surgir as primeiras formas de vida nas águas rasas dos oceanos
e daí em diante apareceram sempre novas espécies que começaram povoar as águas,
as terra emersas e o ar. Cada nova forma que surgia tinha que criar mecanismos
de comunicação para se relacionar com os seus parentes e com o mundo ao seu redor,
podendo esta comunicação ser química, tátil ou sonora, criando-se assim cheiros,
cores e sons próprios. Assim, ao longo dos milênios, a evolução foi criando
uma verdadeira orquestra de milhares de instrumentos compostos pelos sons,
timbres e melodias que cada espécie desenvolveu para se manter vivo, conhecer
os perigos do ambiente, encontrar alimento e reconhecer parceiro para
acasalamento. Assim foi surgindo, lenta e progressivamente, um segundo grupo de
sons, estes produzidos pelos seres vivos, e que são denominados genericamente de
biofonias (bio = vida e fonia = som).
Os animais aprenderam o significado
dos sons do ambiente onde viviam e passaram a utilizá-los para seu benefício,
além de criarem, cada um a seu modo e necessidade, sua própria identidade sonora.
Acredita-se que a música com toda sua complexidade de timbres, como conhecemos
hoje, de alguma forma evoluiu de sons que copiamos de algum ritmo natural ou
manifestações sonoras da natureza e de outros animais.
Cânon Monte Negro em São José dos Ausentes RS. |
Seguidamente me posiciono no campo
ou dentro da mata e fico escutando os sons locais e vejo que eles variam com a
hora do dia, a estação do ano e com o clima. Cada floresta, campo, banhado,
rio, montanha ou deserto tem seus sons próprios e ouvi-los é um exercício
altamente relaxante. Esta mistura de sons geofônicos e biofônicos constituem
sinfonias únicas, com identidade de lugar e tempo. São as chamadas identidades
sonoras, ou identidades acústicas de um lugar. Assim como o som de um
aglomerado urbano que mistura ruídos de veículos, pessoas, vozes, sirenes e
músicas – chamados de antropofonias (antropos = relativo ao homem e fonia =
som), na natureza existe o mesmo, apenas que mantendo sua proporção, fonte
geradora e identidade. É possível assim reconhecer lugares apenas ouvido os
sons ambientes do mesmo, um estudo relativamente novo e que implica
equipamentos especializados de gravação e muito conhecimento de música para a
interpretação. Mas é um mundo novo que se abre ao deleite do ouvinte atento e
ao conhecimento do nosso planeta e dos seus habitantes, sempre se relacionando
entre si e com o ambiente. Para os mais apaixonados pelo assunto, sugiro o
livro A grande orquestra da natureza,
de Bernie Krause.
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