No campo, o final de um dia ensolarado de inverno tem cheiro de terra, grama seca e dourada, sons distantes e fumaça de grimpa queimada. O sol indo iluminar outros quadrantes da terra e a sombra negra da noite se aproximando lenta e decidida, como uma maré que nunca falha. Os bichos alterando o canto, mudando de lugar, procurando abrigo para o período que se aproxima e a temperatura informando que a noite será fria. Orvalho começa a se formar e a roupa do corpo parece molhada ao toque, fria e úmida. A visão vai diminuindo e o horizonte encurtando, como se estivesse me empurrando para o abrigo da casa. Hora de alimentar o cachorro e abastecer de lenha o cesto para garantir o calor na casa durante a noite, que vem a galope e sem obstáculos. O frio no rosto já prenuncia o que vem.
Recolhido em casa, o fogo na
salamandra vai espalhando o calor pela sala trazendo conforto e segurança que
só o fogo pode. O cheiro de pão que emana do forno torna perceptível a magia operada
na farinha pelo fermento e o calor, tornado aquela massa pálida, densa e fria,
num pão dourado e aerado, leve, aromático e saboroso. Casa quente, pão pronto e
exalando todo o perfume de sua alquimia, ponho na mesa o que vai me garantira a
noite: pedaços de pão novo, fatias fina, muito finas de uma copa defumada,
queijo serrano e uma manteiga amarelinha de dar gosto ainda maior ao pão. A
taça de vinho embala tudo e leva ao estômago a energia que me garantirá o calor
da
noite.
Mais lenha na salamandra e uma
olhada para fora mostra sombras negras sobre um campo prateado, denunciando uma
lua cheia de respeito. Como um espelho redondo e irregular, o astro vai
refletindo a luz do sol que ela ainda alcança, por estar mais alta. O vento
brando e gelado faz o convite e me apronto com um abrigo grosso e boné. Pouco
depois o xulé, meu cachorro parceiro, e eu estamos sentados no meio do campo, de
frente para o disco iluminado da lua fazendo um brinde de um bom vinho com a
noite. Fico ali até o frio me tocar de volta para a casa quente. O xulé assume
seu posto de guarda externo, deitando na frente da porta da casa ao abrigo da
área.
O dia que se foi trouxe a noite
para compensar. Parece que ela quer mostrar que, quanto mais escura, fria e
enluarada, mais vontade me dá de que venha logo um novo dia, claro e
quente. O sono vem ajudar nisso,
abreviando o tempo e logo terminando com a noite, assim que domina o meu corpo.
O sono é uma boa forma de abreviar a noite.