Dia de chuva no Sítio Pangaré, no Vale do Quilombo em Canela RS
Amanheceu batendo água. O dia custou um pouco mais para
clarear e o chimarrão saiu um pouco mais tarde. A cama parecia ter cola e as
cobertas queriam me amarrar a ela. Saí para a área da frente da casa e vi o chão
todo molhado, apesar do beiral que faz a extensão do telhado. Foi uma chuva
”tocada a vento” com se fala.
Com o chimarrão na mão, da minha área fiquei observando a
fauna. Parece que apenas a espécie humana não curte se molhar nestes dias. Absolutamente
indiferentes à chuva que caía, um bando de rolinha-roxa disputava alimentos no
gramado, junto com canários-da-terra. Os tico-ticos e suiriris ficavam
aguardando os cupins de asa saírem do chão, para caçá-los no ar. Chuva? Que
chuva, a fome é maior e as aves são indiferentes ao fenômeno. Eu, na área
evitando me molhar. Fui para o outro lado da casa, que dá para o pomar. Lá o sanhaçu-cinzento,
a saíra-preciosa, o tucano-do-bico-verde e alguns sabiás-laranjeira escolhiam
os caquis maduros. Chuva? Que chuva, alimentar-se é mais importante.
Chuva intensa no Ecoparque Sperry em fevereiro de 2013
As aves impermeabilizam suas penas com um óleo que produzem numa glândula na base da cauda (uropigial),
conhecida popularmente como “sobre”, e assim ficam como se estivessem com uma capa de chuva.
Olhando para o morro do laje de Pedra, vi que subia uma coluna
de cerração em direção a zona urbana de Canela. Daqui do Vale do Quilombo é
possível ver a formação deste fenômeno natural que tanto aborrece os moradores
de Canela e Gramado. Neste local, 400 metros
abaixo do centro de Canela, a cerração fica acima de mim, deixando os
transtornos de visibilidade quase zero lá para o centro da cidade.
A chuva mansa continuou pelo dia todo e parecia que a terra
agradecia absorvendo o líquido de forma lenta e silenciosa e devolvendo a
gentileza através das plantas que crescem com vigor e trazem sustento para a
fauna. O excesso de água rola pelos declives e vai se juntar a algum arroio
próximo, como um complexo sistema de veias de um grande organismo que acaba
levando o líquido para o oceano. O mar é o verdadeiro coração do planeta que
recebe a água dos rios e a devolve sob a forma de chuva aos continetes.
O peso das gotas vai encharcando folhas e troncos fazendo com
que os galhos se projetem para baixo, como que se quisessem tocar o solo ou se
curvando em agradecimento pelo precioso líquido que estão recebendo. Um pouco
de vento e o peso dos galhos é aliviado pela expulsão do excesso de água,
fazendo parecer que está chovendo mais forte.
Cachoeira da Usina cheia após uma chuva forte (Ecoparque Sperry)
O brilho das folhas em dia de chuva é mais pálido e discreto do
que quando o sol está brilhando, talvez como uma deferência ao astro rei que traz
a energia necessária para a base da vida na terra – a luz, que junto com a água
e o carbono, permitem a produção de
alimentos e energia (fotossíntese), vital a toda a vida no planeta. Sol e chuva
vão dando as regras para a vida e, visto assim, a chuva é tão boa e necessária quanto
o sol. Portanto, dia de chuva é bom, basta mudarmos nosso ponto de vista.
Devíamos tomar mais banhos de chuva porque faz muito bem e nos aproxima mais da
natureza.
Um sanhaçu-cinzento comendo banana durante chuva forte.