quinta-feira, 4 de abril de 2013

Dia de chuva


Dia de chuva no Sítio Pangaré, no Vale do Quilombo em Canela RS

Amanheceu batendo água. O dia custou um pouco mais para clarear e o chimarrão saiu um pouco mais tarde. A cama parecia ter cola e as cobertas queriam me amarrar a ela. Saí para a área da frente da casa e vi o chão todo molhado, apesar do beiral que faz a extensão do telhado. Foi uma chuva ”tocada a vento” com se fala.
Com o chimarrão na mão, da minha área fiquei observando a fauna. Parece que apenas a espécie humana não curte se molhar nestes dias. Absolutamente indiferentes à chuva que caía, um bando de rolinha-roxa disputava alimentos no gramado, junto com canários-da-terra. Os tico-ticos e suiriris ficavam aguardando os cupins de asa saírem do chão, para caçá-los no ar. Chuva? Que chuva, a fome é maior e as aves são indiferentes ao fenômeno. Eu, na área evitando me molhar. Fui para o outro lado da casa, que dá para o pomar. Lá o sanhaçu-cinzento, a saíra-preciosa, o tucano-do-bico-verde e alguns sabiás-laranjeira escolhiam os caquis maduros. Chuva? Que chuva, alimentar-se é mais importante. 

Chuva intensa no Ecoparque Sperry em fevereiro de 2013

As aves impermeabilizam suas penas com um óleo que produzem  numa glândula na base da cauda (uropigial), conhecida popularmente como “sobre”, e assim ficam como se  estivessem com uma capa de chuva.
Olhando para o morro do laje de Pedra, vi que subia uma coluna de cerração em direção a zona urbana de Canela. Daqui do Vale do Quilombo é possível ver a formação deste fenômeno natural que tanto aborrece os moradores de Canela e Gramado.  Neste local, 400 metros abaixo do centro de Canela, a cerração fica acima de mim, deixando os transtornos de visibilidade quase zero lá para o centro da cidade.
A chuva mansa continuou pelo dia todo e parecia que a terra agradecia absorvendo o líquido de forma lenta e silenciosa e devolvendo a gentileza através das plantas que crescem com vigor e trazem sustento para a fauna. O excesso de água rola pelos declives e vai se juntar a algum arroio próximo, como um complexo sistema de veias de um grande organismo que acaba levando o líquido para o oceano. O mar é o verdadeiro coração do planeta que recebe a água dos rios e a devolve sob a forma de chuva aos continetes.
O peso das gotas vai encharcando folhas e troncos fazendo com que os galhos se projetem para baixo, como que se quisessem tocar o solo ou se curvando em agradecimento pelo precioso líquido que estão recebendo. Um pouco de vento e o peso dos galhos é aliviado pela expulsão do excesso de água, fazendo parecer que está chovendo mais forte.

Cachoeira da Usina cheia após uma chuva forte (Ecoparque Sperry)

O brilho das folhas em dia de chuva é mais pálido e discreto do que quando o sol está brilhando, talvez como uma deferência ao astro rei que traz a energia necessária para a base da vida na terra – a luz, que junto com a água e o carbono, permitem a produção de alimentos e energia (fotossíntese), vital a toda a vida no planeta. Sol e chuva vão dando as regras para a vida e, visto assim, a chuva é tão boa e necessária quanto o sol. Portanto, dia de chuva é bom, basta mudarmos nosso ponto de vista. Devíamos tomar mais banhos de chuva porque faz muito bem e nos aproxima mais da natureza. 

Um sanhaçu-cinzento comendo banana durante chuva forte.

quarta-feira, 3 de abril de 2013

Outono, período de mudanças.



Caquizeiro


Chegou o outono, estação de muitas mudanças na natureza e nas pessoas. Vivemos no paralelo 29 graus de latitude sul, bem abaixo do equador (hemisfério austral) onde, durante todo o ano, os dias e as noites tem exatamente a mesma duração. Aqui sentimos a duração dos dias e noites mudarem conforme mudam as estações. O outono é uma estação sempre aguardada devido à progressiva diminuição das temperaturas, a chegada da época de pinhão e a mudança de cores da paisagem.

Ginkgo biloba

As folhas de muitas árvores, como o plátano, caquizeiro, liquidambar, Acer e ginkgo iniciam um lento e irreversível processo de morte que transforma a paisagem num grande palco natural onde mutações cromáticas se exibem como num desfile estático, para o deleite das pessoas. Este processo natural é uma adaptação destas plantas a um frio que se aproxima e a uma estação com menos horas de luz solar. Aos primeiros sinais da nova estação, como o encurtamento do dia, muitas árvores param de produzir clorofila (pigmento verde) nas folhas. Isto determina a interrupção da produção de nutrientes (fotossíntese) e elas começam morrer. Daí inicia o desfile de cores que se inicia com o amarelo e segue para o laranja, vermelho e, finalmente, marrom. 




Caquizeiro

Simultaneamente a este processo, a planta produz e acumula um ácido (abscísico) na base do pecíolo (haste que prende a folha ao galho) que mata as células do local e as folhas acabam caindo, num compasso ditado pelo vento e pela gravidade, e vão forrando o chão do local como um tapete multicolorido.
Olho agora para um caquizeiro pela minha janela e já vejo este processo em curso. O chão começa ficar coberto de folhas alaranjadas e marrons e os frutos tornam-se mais visíveis devido à diminuição das folhas. Mesmo que todas estas espécies sejam exóticas (provenientes de outras regiões geográficas), a beleza do fenômeno encanta as pessoas e sinaliza as mudanças em curso.


Acer sp

Figurativamente, o outono da vida de uma pessoa é aquele período em que ela entra na velhice e aguarda pelo seu inverno – o seu ocaso natural, esperando que não seja muito rigoroso. No nosso calendário o outono dura apenas três meses, mas no calendário figurado da nossa vida ele pode durar muitos anos e ser bem interessante. Aos 61 anos já estou no meu outono, mas o meu inverno, espero, está ainda muito longe e me sinto ainda no verão, com energia e disposição para seguir trabalhando, escrevendo e interpretando a natureza, este elemento que me intriga, inebria, complementa e me alimenta a alma.