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sexta-feira, 18 de abril de 2014

O banho de rio e o fogo




banho na Cachoeira do Poço, no Ecoparque Sperry, Canela RS
Durante a história evolutiva do homem os rios, lagos e oceanos estiveram sempre presentes, marcando a memória ancestral assim como o fogo, a sede e a fome. O rio e o fogo estão muito ligados a minha vida e sempre me deram prazer e relaxamento em geografias tão distantes e diferentes como a montanha e a planície. Num banho de rio a água passa pelo corpo arrancando e levando por diante dores, suores, medos, más lembranças e o calor que incomoda. Tudo segue rio abaixo sem que ele me cobre nada por isso, deixando o corpo em sossego e com um agradável alívio térmico de um bom banho de chuva. O banho de rio é uma troca, onde aquilo que me incomoda é o que a água leva, e o que me faltava, ela traz. Assim é um banho de rio, um exercício completo de relaxamento e reencontro com um elemento da natureza vital e insubstituível.

Curva do Arroio Quilombo no  Ecoparque Sperry, Canela RS
Sempre se renovando, a água de um rio nunca passa duas vezes pelo mesmo lugar e isso faz com que ela me trate sempre como se fosse o primeiro encontro, com toda a sua gentileza de levar o que me incomoda e presentear com o que tem de melhor. Talvez este seja o grande segredo e por isso é sempre muito revigorante e surpreendente. Como um cachorro que gosta muito do seu dono, as vezes o rio quer nos manter juntos para sempre, criando situações sinistras de posse que acabam em tragédia. Mas sabendo lidar com ele, podemos usufruir de sua infinita bondade e habilidade em nos proporcionar momentos agradáveis.

Fogo de acampamento
O fogo, complemento natural da água quando estamos acampados, faz o contraponto perfeito para o equilíbrio de um prazer onírico e atávico, envolto em algum mistério que nos eleva junto com a chama a uma altura invisível.
Curiosamente a água, que nos acalma com seu prazer refrescante, consegue apagar o fogo que nos aquece, parecendo que sente ciúmes das chamas que se elevam e iluminam tudo e todos em volta, coisa que não pode fazer com seu corpo líquido, amorfo e sem luz. Ou talvez o fogo queira ser maior que o rio, quando se alastra em grandes incêndios, e aí a água desce e acaba com a sua pretensão descabida, mostrando que cada um teu seu reino, função e espaço, sendo que o encontro dos dois é ruim para o fogo, já que se extingue e a água, ao sofrer o impacto com as chamas, muda para o estado de vapor, podendo assim fugir para cima e se esconder nas nuvens.    



terça-feira, 8 de abril de 2014

A identidade sonora da paisagem





Cachoeira do Poço, Ecoparque Sperry, Canela RS.
Quando no planeta Terra ainda não existia nenhuma forma de vida vagando pelas águas, terras ou ar, os únicos sons que existiam eram os próprios da natureza, como o trovão, o vento açoitando rochas, a água debatendo-se em seu caminho nas margens e cachoeiras, os vulcões vomitando as entranhas da terra e as ondas do mar quebrando nas praias. Estes eram os sons que identificavam as paisagens da terra ancestral, chamados tecnicamente por Bernie Krause de geofonias, ou os sons da terra.

Rio Silveira em São José dos Ausentes RS.
Por volta de uns seiscentos milhões de anos atrás, começaram surgir as primeiras formas de vida nas águas rasas dos oceanos e daí em diante apareceram sempre novas espécies que começaram povoar as águas, as terra emersas e o ar. Cada nova forma que surgia tinha que criar mecanismos de comunicação para se relacionar com os seus parentes e com o mundo ao seu redor, podendo esta comunicação ser química, tátil ou sonora, criando-se assim cheiros, cores e sons próprios. Assim, ao longo dos milênios, a evolução foi criando uma verdadeira orquestra de milhares de instrumentos compostos pelos sons, timbres e melodias que cada espécie desenvolveu para se manter vivo, conhecer os perigos do ambiente, encontrar alimento e reconhecer parceiro para acasalamento. Assim foi surgindo, lenta e progressivamente, um segundo grupo de sons, estes produzidos pelos seres vivos, e que são denominados genericamente de biofonias (bio = vida e fonia = som).
Os animais aprenderam o significado dos sons do ambiente onde viviam e passaram a utilizá-los para seu benefício, além de criarem, cada um a seu modo e necessidade, sua própria identidade sonora. Acredita-se que a música com toda sua complexidade de timbres, como conhecemos hoje, de alguma forma evoluiu de sons que copiamos de algum ritmo natural ou manifestações sonoras da natureza e de outros animais.


Cânon Monte Negro em São José dos Ausentes RS.
Seguidamente me posiciono no campo ou dentro da mata e fico escutando os sons locais e vejo que eles variam com a hora do dia, a estação do ano e com o clima. Cada floresta, campo, banhado, rio, montanha ou deserto tem seus sons próprios e ouvi-los é um exercício altamente relaxante. Esta mistura de sons geofônicos e biofônicos constituem sinfonias únicas, com identidade de lugar e tempo. São as chamadas identidades sonoras, ou identidades acústicas de um lugar. Assim como o som de um aglomerado urbano que mistura ruídos de veículos, pessoas, vozes, sirenes e músicas – chamados de antropofonias (antropos = relativo ao homem e fonia = som), na natureza existe o mesmo, apenas que mantendo sua proporção, fonte geradora e identidade. É possível assim reconhecer lugares apenas ouvido os sons ambientes do mesmo, um estudo relativamente novo e que implica equipamentos especializados de gravação e muito conhecimento de música para a interpretação. Mas é um mundo novo que se abre ao deleite do ouvinte atento e ao conhecimento do nosso planeta e dos seus habitantes, sempre se relacionando entre si e com o ambiente. Para os mais apaixonados pelo assunto, sugiro o livro A grande orquestra da natureza, de Bernie Krause.