Numa manhã deste março quente e
seco, sai para uma caminhada aleatória pelo campo, sem muito compromisso além
daquele habitual de olhar, ouvir, fotografar e interpretar a paisagem. O capim
caninha está no final de seu ciclo anual e as hastes que escaparam das bocas do
gado, agora estão içadas o mais alto possível com suas sementes prontas para
serem lançadas ao vento. Como lanças apontando para cima, tornam-se
progressivamente douradas a medida que amadurecem e o que vejo agora neste
final de março é um mosaico de campos dourados e verdes. Verdes onde o
pastoreio foi mais intenso e assim as folhas da grama predominam. Dourados
onde, por algum motivo, o pastoreio foi menos intenso e a produção das hastes
reprodutoras é maior. Assim em alguns lugares haverá menos sementes do que em
outros, mas como é o vento o elemento que fará o transporte destas minúsculas partículas,
a geração seguinte está garantida.
Vale do Rio Silveira, São José dos Ausentes, RS |
Caminhar pelo campo nesta época é
como apreciar o tempo, sabendo-se que um ciclo está encerrando e vendo um novo
que se inicia, com outras cores e aspectos. O gado, gordo e bem formado, mostra
que a estação de pastagem foi boa e há reservas acumuladas para enfrentar o
inverno que se aproxima. Passo ao lado de uma meia dúzia de bois tranquilos,
alguns de pé outros deitados na borda de uma matinha de araucárias exercitando
o ritual babão da ruminação do capim ingerido anteriormente. Olhando com
atenção é possível ver o bolo de capim regurgitado, revelado pelo volume na
parte de baixo do pescoço, subindo como uma bola apressada até a boca, onde vai
ser mastigado e salivado com a calma bovina que lhes é peculiar.
Sigo por uma trilha de gado que
serpenteia o campo e já ouço a frente o som da água correndo e se debatendo
contra as rochas do leito do Rio Silveira, aqui em São Jose dos Ausentes. Surpreso,
vejo surgir por trás de uma elevação do terreno um casal de seriemas andando
com a calma própria de quem vive em um lugar silencioso e tranquilo,
concentrados na busca de pequenos animais do solo e brotos de ervas campeiras.
Parecem bem camuflados pelo capim alto e de coloração semelhante à das suas
penas e patas longas. Sigo olhando e cheirando e me assusto com um bando de
pica-paus-do-campo, ariscos e barulhentos, que alça voo com estridentes
protestos pela minha presença, pousando mais adiante em rochas salientes no
campo e em velhos mourões de cerca, cabeludos de líquens e cansados de segurar
os arames, mais vergados do que eretos.
Rio Silveira, São José dos Ausentes, RS |
Sigo adiante me deleitando com os
cheiros e a paisagem e vejo um falcão quiri-quiri, pequeno em porte mas
eficiente na caça como um gavião grande. Usando a cerca como poleiro, fica
atento a tudo que se movimenta no campo e que pode ser um item de sua dieta. Entro
na mata e, antes de ver, ouço um bando de gralha-azul, gritando e avisando a
todos a minha chegada. Vejo que estão se alimentando de algum fruto ou semente,
algumas próximas do solo e outras nos alhos altos dos pinheiros. Não sossegaram
enquanto não desapareci da vista. No final da trilha chego a um mirante natural
de pedra que me mostra uma bela cachoeira, não muito alta, que me chama para um
banho. Não resisti ao apelo mudo e calmo da água e me entreguei ao exercício de
deixar a água fria levar meu calor e me imprimir um prazer indescritível de bem
estar. É bom deixar a água fazer o que ela mais sabe. (Esta narrativa de trilha
segue em uma coluna futura)
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