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quinta-feira, 15 de maio de 2014

Caminhando pelos Campos de Altitude do Rio Grande do Sul




Numa manhã deste março quente e seco, sai para uma caminhada aleatória pelo campo, sem muito compromisso além daquele habitual de olhar, ouvir, fotografar e interpretar a paisagem. O capim caninha está no final de seu ciclo anual e as hastes que escaparam das bocas do gado, agora estão içadas o mais alto possível com suas sementes prontas para serem lançadas ao vento. Como lanças apontando para cima, tornam-se progressivamente douradas a medida que amadurecem e o que vejo agora neste final de março é um mosaico de campos dourados e verdes. Verdes onde o pastoreio foi mais intenso e assim as folhas da grama predominam. Dourados onde, por algum motivo, o pastoreio foi menos intenso e a produção das hastes reprodutoras é maior. Assim em alguns lugares haverá menos sementes do que em outros, mas como é o vento o elemento que fará o transporte destas minúsculas partículas, a geração seguinte está garantida.

Vale do Rio Silveira, São José dos Ausentes, RS
Caminhar pelo campo nesta época é como apreciar o tempo, sabendo-se que um ciclo está encerrando e vendo um novo que se inicia, com outras cores e aspectos. O gado, gordo e bem formado, mostra que a estação de pastagem foi boa e há reservas acumuladas para enfrentar o inverno que se aproxima. Passo ao lado de uma meia dúzia de bois tranquilos, alguns de pé outros deitados na borda de uma matinha de araucárias exercitando o ritual babão da ruminação do capim ingerido anteriormente. Olhando com atenção é possível ver o bolo de capim regurgitado, revelado pelo volume na parte de baixo do pescoço, subindo como uma bola apressada até a boca, onde vai ser mastigado e salivado com a calma bovina que lhes é peculiar.
Sigo por uma trilha de gado que serpenteia o campo e já ouço a frente o som da água correndo e se debatendo contra as rochas do leito do Rio Silveira, aqui em São Jose dos Ausentes. Surpreso, vejo surgir por trás de uma elevação do terreno um casal de seriemas andando com a calma própria de quem vive em um lugar silencioso e tranquilo, concentrados na busca de pequenos animais do solo e brotos de ervas campeiras. Parecem bem camuflados pelo capim alto e de coloração semelhante à das suas penas e patas longas. Sigo olhando e cheirando e me assusto com um bando de pica-paus-do-campo, ariscos e barulhentos, que alça voo com estridentes protestos pela minha presença, pousando mais adiante em rochas salientes no campo e em velhos mourões de cerca, cabeludos de líquens e cansados de segurar os arames, mais vergados do que eretos.

 Rio Silveira, São José dos Ausentes, RS
Sigo adiante me deleitando com os cheiros e a paisagem e vejo um falcão quiri-quiri, pequeno em porte mas eficiente na caça como um gavião grande. Usando a cerca como poleiro, fica atento a tudo que se movimenta no campo e que pode ser um item de sua dieta. Entro na mata e, antes de ver, ouço um bando de gralha-azul, gritando e avisando a todos a minha chegada. Vejo que estão se alimentando de algum fruto ou semente, algumas próximas do solo e outras nos alhos altos dos pinheiros. Não sossegaram enquanto não desapareci da vista. No final da trilha chego a um mirante natural de pedra que me mostra uma bela cachoeira, não muito alta, que me chama para um banho. Não resisti ao apelo mudo e calmo da água e me entreguei ao exercício de deixar a água fria levar meu calor e me imprimir um prazer indescritível de bem estar. É bom deixar a água fazer o que ela mais sabe. (Esta narrativa de trilha segue em uma coluna futura)

segunda-feira, 28 de abril de 2014

Os caminhos do gado




O gado foi introduzido no Rio Grande do Sul por volta de 1628 pelos Jesuítas lá pela Região Missioneira, bandeados do outro lado do rio Uruguai. Animais estranhos a paisagem, trazidos inicialmente da Europa por navios a vela, aqui logo foram se adaptando e ocupando espaços na vastidão dos campos que havia em mais da metade da cobertura vegetal natural do Rio Grande do Sul. Lentamente foram se multiplicando e se espalhado por onde havia campo nativo, e aqui pelo Campos de Cima da Serra, no nordeste gaúcho, chegaram também com os Jesuítas quase cem anos depois, fugindo das Missões, uma vez que eram vítimas dos assaltos dos Bandeirantes paulistas que vinham prear escravos indígenas.

Logo surgiram as fazendas e estâncias de grande porte aqui na região serrana, dividas por quilômetros de taipas de pedras feitas com mãos de escravos negros e índios.  Lentamente o gado foi imprimindo uma morfologia típica em alguns lugares acidentados, formados por coxilhas altas e íngremes. Estes bovinos tem uma tendência de se deslocarem pelas curvas de nível dos terrenos acidentados, economizando a energia que gastariam para subirem ou descerem em linha reta ou em diagonal.

Na foto ao lado é possível ver o gado se deslocando pela encosta de uma coxilha alta e as marcas deixadas pelas trilhas paralelas que, vistas de longe, dão a impressão de degraus ou patamares bem nítidos ao longo da encosta. Visões semelhantes, mantidas as proporções, são as dos patamares de plantações de arroz que se veem em países orientais, como China e Tailândia. Quando a necessidade obriga, homens e animais mostram um padrão semelhante de adaptação na utilização dos terrenos adversos. Os orientais pela necessidade de terem terras planas para irrigarem o arroz e aqui os bovinos pela sabedoria de menor esforço diante de um terreno tão adverso.
Quem anda pelo campo nestes locais percebe que nestas trilhas do gado os cascos, com a paciência bovina de anos seguidos, aplainam o terreno e criam uma trilha perfeita para o deslocamento deles e de pessoas. Profundas as vezes e cobertas pelo capim em outras, são excelentes para uma caminhada pelos costados destas altas coxilhas gramadas.

Uma vez escapei de uma situação perigosa quando fui surpreendido em uma caminhada pelo campo com a chegada de uma cerração densa, lá pelas bandas do Itaimbezinho. Sentei e fiquei pensando em como me orientar, já que não enxergava a palma da minha mão a frente. Só lembrava que estava indo em direção oposta à da fazenda que estava. Apalpei o terreno e encontrei uma destas trilhas de gado, virei para a direção oposta e calculei que a trilha deveria ir até a fazenda, um caminho natural do gado. Com a ponta das botas ia identificando o terreno nu da trilha e assim fui indo lentamente por mais de uma hora até chegar num local em que o nevoeiro começou a enfraquecer e me mostrou os contornos do galpão e logo o das casas da fazenda. Fui salvo pelos cainhos do gado.