quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

O ouriço-cacheiro





Vou me solidarizar com um animal que é mais conhecido pelo que causa aos nossos cães do que ele propriamente dito. Trata-se do ouriço-cacheiro, também conhecido como porco-espinho (Coendou villosus). Sempre lemos notícias ou ouvimos comentários de que um ouriço atacou um cão e o encheu de espinhos.

Primeiro que o ouriço não ataca, uma vez que é um roedor lento, não agressivo e que vive em cima das árvores (arborícola). O que acontece é que na cidade as matas são poucas,  resumindo-se a algum quintal ou praça arborizada. Como o ouriço alimenta-se de folhas e frutos, ele tem que estar constantemente em busca de seu alimento andando de árvore em árvore. Nas matas de grande porte, ele raramente desce ao solo deslocando-se sempre de galho em galho, como os bugios e macacos-prego. Com as árvores longes umas das outras, na cidade, ele obriga-se a descer ao solo para passar de uma para outra. Pois é neste momento que os nossos cães entram na história. Como o que não falta na cidade é cachorro, logo algum vai farejar o pobre e lento roedor e instintivamente tenta mordê-lo. Rápida e dolorosamente, aprende que este é um bicho a ser deixado em paz. 

Deste ponto em diante, só se fala no cão que algumas vezes morre devido ao grande número de espinhos que entram na sua pele e até na boca.  Poucos são os que se preocupam com o pobre do ouriço, um roedor nativo das Américas Central  e do Sul e que apenas tenta sobreviver nas zonas urbanas mais arborizadas. 

Raros são os que se salvam, e a perda não é lamentada. Devíamos pensar um pouco na eliminação progressiva e quase inevitável que os nossos cães e gatos domésticos promovem sobre a fauna nativa. Gatos e cães são animais não nativos da América (são exóticos) e se, fora de controle, podem trazer sérios prejuízos à fauna local. Manter nossos animais domésticos bem tratados e cercados, impedidos de predarem pequenas aves (gatos) ou ouriços, é uma obrigação mínima dos donos.

Um brinde ao ouriço-cacheiro, valente sobrevivente das nossas já escassas florestas. 

domingo, 13 de janeiro de 2013

Sapo-cururú




Em dias quentes em que o tempo está se armando para uma chuva, ele aparece do nada nos pátios, jardins e áreas rurais com matas e mesmo nos campos, É o sapo-cururú, um velho conhecido de todos. Pacato, deslocando-se aos saltos, é alvo preferido dos cães curiosos que tentam abocanhá-los. Em seguida aprendem que este bicho deve ser deixado em paz. A toxina que exalam vem de suas glândulas parotóides localizadas nos lados e atrás da cabeça sob a forma de duas verrugas alongadas. Quando molestado, o sapo-cururú elimina uma substância leitosa tóxica que pode provocar diversas reações nos animais predadores e mesmo nas pessoas, principalmente nas mucosas.

 Macho de sapo-cururu


Este sapo tem por hábito alimentar-se de insetos, lesmas e até mesmo pequenos vertebrados que sejam encontrados no seu ambiente, como roedores. Num único dia um sapo adulto pode ingerir mais de uma centena  de insetos, o que demonstra a importância deste animal no controle biológico de pragas potencias. São tão eficientes neste processo que foram introduzidos em algumas ilhas do Caribe e na Austrália para combater pragas dos canaviais. Até hoje na Austrália o sapo-cururú é um dos predadores mais vorazes de pequenos animais e se tornou uma praga nacional, já que lá ele não tem predadores naturais e assim multiplicaram-se de forma descontrolada.

Fêmea de sapo-cururu

O macho desta espécie é um pouco menor que a fêmea e tem uma coloração uniforme, esverdeada. A Fêmea tem pintas pretas e é maior. A reprodução do sapo-cururú depende da presença de água. Quando chove na primavera e verão, formando lagoas temporárias, ou em açudes e beiras de rios, eles se encontram e acasalam na água, colocando os ovos em longos filamentos gelatinosos. Destes ovos surgem os girinos pretos parecendo com peixes desajeitados que nadam e se alimentam de matéria orgânica do fundo. Depois de completar o ciclo na água, os pequenos sapos abandonam a lagoa e passam a viver na terra, abrigando-se em tocas, embaixo de pedras, troncos ou qualquer local que os proteja quando não estão ativos. A presença de sapos pode ser um bom indicativo de um ambiente natural em equilíbrio. E segue a vida. 


quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

A erva-mate




Tomar um chimarrão bem cevado pela manhã ou no final da tarde é um hábito que quase todos os gaúchos cultivam, fato que agrega as pessoas e cria laços atávicos com a terra natal e sua cultura. A erva-mate era conhecida e utilizada largamente pelos índios Guaranis quando da chegada dos europeus aqui na América. Foi fácil e rápido incorporar o hábito de tomar chimarrão aprendido com os nativos e assim lentamente se estabeleceu uma das primeiras agroindústrias em torno do mate, iniciada pelos Jesuítas na região missioneira. Foram justamente os padres das missões que por primeiro desenvolveram técnicas para o cultivo comercial da erva-mate e descobriram, entre outras coisas, que nos primeiros anos de cultivo a erva-mate tem que permanecer a sombra. Outro truque que desvendaram foi o da quebra da dormência das sementes, que faziam dando os frutos para as galinhas e depois coletavam as sementes nos excrementos. O estômago das galinhas (a moela) agia como uma lixa sobre as duras cascas das sementes, deixando-as prontas para a germinação.


Folhas de erva-mate verdes não exalam o aroma das mesmas quando desidratadas.

A erva-mate é a árvore símbolo do Rio Grande do Sul e o chimarrão, a bebida. Esta planta é nativa da América do Sul e foi batizada cientificamente de Ilex paraguariensis por um naturalista francês chamado Auguste de Saint-Hilaire, em 1820, durante uma viagem que empreendeu nesta época ao sul do Brasil, onde teve contato com a planta ainda desconhecida pela ciência. Ele passou pelo Rio Grande do Sul por volta de 1823 e seu livro com todo o roteiro que fez por aqui é um clássico da literatura de viagens científicas.
A maioria das pessoas que tem o hábito de “matear” não conhece a árvore da erva-mate e isso eu pude constatar quando trabalhei por muitos anos no Parque do Caracol. Lá tem vários exemplares desta árvore e eu ficava observando o espanto das pessoas quando liam a placa que as identificavam. A primeira reação das pessoas era de arrancar uma folha, esmagá-la entre os dedos e cheirar. Como a folha verde não exala o cheiro de mate da folha desidratada, algumas duvidavam da veracidade da informação contida na placa.


Frutos maduros de erva-mate. Seu gosto é semelhante a fruta do café

Outra coisa interessante é que a erva-mate tem sexos separados. Isso mesmo. Tem árvores com flores masculinas e árvores com flores femininas e só estas últimas produzem frutos (detalhe da foto). Este fruto tem um gosto semelhante ao da fruta do café, e é muito procurado pela fauna, como o sabiá-laranjeira, sanhaçu-cinzento, pombas e outras aves que se alimentam de frutos. Ao ingerirem acabam dispersando as sementes através dos excrementos e isto faz com que a erva-mate se disperse por novas áreas. Sabiá não toma mate, mas planta a árvore. Este é realmente um grande legado cultural que devemos aos índios Guaranis e a natureza. Muitos mates a todos neste 2013.



Meus avios do mate. Inseparáveis.

domingo, 30 de dezembro de 2012

A lua, seus ciclos e os seus efeitos.







A natureza é pródiga em ciclos antagônicos de toda ordem, como dia e noite, inverno e verão, era do gelo e era atual, chuva e sol, ventos e calmarias, vulcanismo e erosão da crosta da terra, maré alta e maré baixa. Há fenômenos que se repetem com intervalos longos de centenas ou milhares de anos, como as glaciações. Outros são mais curtos como os que marcam as estações do ano ou o  dia e a noite.

Lua na fase minguante parecendo esta "pinçada" por galhos de uma uva-do-japão.

As fases da lua são as que talvez mais intrigam e encantam as pessoas devido aos seus mistérios e fenômenos que elas desencadeiam. Todos conhecem a luz de “fazer sombra” criada nas noites de lua cheia ou as noites de completa escuridão na fase nova de “não se enxerga um dedo a frente”. Outro fenômeno interessante são as marés vazantes, que são provocadas quando a massa da lua soma-se com a do sol provocando uma “sucção” da água do mar, fazendo com que na praia haja um recuo considerável do mar, maior em alguns lugares do planeta e menor em outros dependendo da topografia da praia.
As fases da lua também intersedem no crescimento das plantas fazendo com que os agricultores mais observadores cultivem aquilo que dá em baixo da terra, como tubérculos e raízes, na lua minguante e aquelas que produzem folhagens, como alface e repolho, nas luas crescente e cheia. Fazer uma caminhada pelo campo em noite de lua cheia é um espetáculo raro e que nos deixa marcados. A pouca luz cria uma paisagem em preto e branco onde tudo assume tons de cinza e nos faz perceber como deve ser a visão de um cão ou de um gato, que enxergam bem a noite e em preto e branco. Dentro de uma mata de araucárias (foto), a lua cheia pode compor um cenário que faz as copas das árvores parecerem aranha no ar.

Lua cheia vista de dentro de uma mata de araucárias

Estamos caminhando para um novo ciclo que deve iniciar em 1 de janeiro e vamos repetir tudo no ano que vem. Dias e noites, verão e inverno, lua cheia e nova, e outros ciclos mais longos que poderão ter seu pico durante este período. É o que disseram os Maias no seu calendário tão famoso e controverso. Se vocês estão lendo este é porque o mundo não acabou e isso é bom. Fracassou mais uma tentativa de acabarem com a nossa casa e seus ciclos. Ou não....

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

O lagarto teiú e o inverno

O lagarto teiú e o inverno

Durante todo o inverno aqui em Canela e região, não vemos sequer um lagarto andando pelos jardins ou parques. Neste período de frio extremo eles se metem em tocas onde a variação da temperatura é muito menor do que no ambiente externo e assim atravessam o inverno numa espécie de torpor, onde suas atividades vitais se reduzem muito e permitem que o animal sobreviva três ou quatro meses de frio em um estado de sono profundo.
No início da primavera eles aparecem com relativa frequência e começam a vagar pelos pátios, praças e áreas rurais. Estão muito magros devido ao consumo das energias acumuladas no inverno dentro da toca. Neste período eles comem praticamente tudo que se movimenta e tenha um tamanho que possa ser apanhado e engolido, como insetos, aranhas, ovos de ninhos feitos no chão, como o quero-quero, filhotes e mesmo aves adultas, frutos, etc. Em seguida acasalam e um tempo depois as fêmeas colocam seus ovos em tocas. No final do outono começam a procurar tocas para se prepararem para um novo período de frio e sono profundo.

Dentre as espécies mais comuns de lagartos que circulam por aqui está o Teiú, ou Papo-amarelo, na foto maior, considerado o maior lagarto brasileiro e que habita praticamente todos os ambientes do País. Olhando o atentamente sua cabeça (foto em detalhe), podemos observar atrás do olho o tímpano, que nestes répteis é externo. Sim, o teiú não tem orelhas como os mamíferos e desta forma seus tímpano ficam expostos e visíveis nas laterais da cabeça.  Sua língua é bipartida (em forma de V) como as serpentes e serve para o lagarto “cheirar” substâncias químicas existentes no ar. 

Na foto maior vemos a cauda do teiú com uma cor diferente. Isto indica que ela já foi perdida e se regenerou. Os lagartos tem um mecanismo que libera sua cauda (autotomia) quando um predador o tenta apanhar, regenerando-se em seguida. Época de lagartos, época de calor. 




segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

O trabalho silencioso da fauna na floresta de araucárias




Do início do outono até o final de julho, nos habituamos a ver nos pátios, praças e parques com araucárias, os pinhões maduros no chão. O que não é tão visível é a presença de um verdadeiro exército de animais nativos que, além de se alimentarem ativamente desta semente, espalham-nas para áreas distantes (dispersão). Uma lista de espécie de aves e mamíferos, alguns conhecidos e outros nem tanto, fazem este trabalho silencioso e permanente que vai garantir o surgimento de uma nova geração de araucárias.

Cutia comendo sementes

Cutia, gralha-azul, papagaio-peito-roxo, serelepe (esquilo), roedores pequenos, bugios e tiribas são alguns dos representantes da fauna nativa que de alguma forma contribui para o “plantio “ dos pinheiros. Dentre todos estes, destacamos a cutia, um roedor nativo da América do Sul que vive associado sempre as matas, local onde encontra seu alimento (frutos, sementes, raízes e talos de plantas), abrigo e local para ninho. Como um hábito de previdência, a cutia enche a boca com vários pinhões e sai enterrando um a um, de forma aleatória pela redondeza. 

Cutia comendo um pinhão

Com o passar do tempo ela volta e os desenterra para se alimentar. Neste processo, muitos pinhões germinam antes da cutia voltar, e assim novas árvores surgem todos os anos para garantir as gerações futuras mais e mais pinhões. Mais do que a gralha-azul, a cutia é a grande responsável pela regeneração natural das araucárias. Uma saudação especial às cutias pelo seu "trabalho" na regeneração das matas de araucárias.

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

O quati




O quati (Nasua narica) é uma espécie de mamífero carnívoro nativo da América do Sul e  tem hábitos diurnos, o que o torna familiar em alguns lugares, principalmente em parques e condomínios aqui de Canela RS e na região. Seu nome deriva do Tupi cuá (cintura) e tim (nariz) = cuatim ou cuati, e tem relação com o hábito destes animais dormirem com o focinho acomodado na região da cintura, como fazem os cães quando estão com frio. 

Tenho observado alguns lugares em que estes carnívoros são alimentados, ou por ação voluntária de donos de parques ou por ação involuntária quando restos de alimentos são colocados em lixeiras de condomínios e casas próximos a áreas florestadas. Este hábito altera o comportamento destes animais e os tornam dependentes do alimento oferecido, criando vícios que podem levá-los a disputas ferozes entre si e mesmo tornarem-se agressivos com as pessoas. Parques nacionais, como o da Foz do Iguaçu têm problemas com os quatis que “abordam” os turistas em busca de alimento. Eu testemunhei neste parque uma vara de quatis invadirem mesas do restaurante de um hotel, que fica dentro deste parque, derrubando copos, virando e pisoteando pratos atrás de comida, criando pânico entre os clientes.




Melhor é observá-los em seu ambiente natural, onde podemos ver a grande habilidade que eles têm para subirem e descerem árvores de se deslocarem no chão da mata em bando de dezenas de indivíduos. Alimentam-se de frutos, sementes, insetos, aranhas, anfíbios, lagartixas, roedores e filhotes de ave.

No popular, dizer que alguém “está com um quati” significa que a pessoa é preguiçosa, dorme muito. Isto é uma alusão ao hábito que estes animais têm de dormirem várias vezes durante o dia sonos curtos de descanso. Por isso os folgados ganharam a alcunha que até hoje é aplicada.