Uma taipa de pedras nada mais é do que uma cerca feita apenas
com pedras empilhadas. Há cem, duzentos ou trezentos anos atrás, as taipas eram
as cercas comuns nas fazendas e foram erguidas por negros escravos. Elas
riscavam o chão dos campos e matas do Rio Grande do Sul parecendo longas
serpentes que se estendiam pelo horizonte afora. Hoje há remanescentes destas obras
em vários lugares, principalmente na região dos Campos de Cima da Serra, em
municípios como São Francisco de Paula, Cambará do Sul e São José dos Ausentes no Rio Grande do Sul.
Era por aí que passavam as tropas rumo a São Paulo e para facilitar a vida dos
tropeiros, foram feitos verdadeiros corredores e currais de taipas. Muitos
fragmentos destas obras podem ser vistos em São José dos Ausentes quando se vai
ao Monte Negro, ponto mais alto do Rio Grande do Sul.
Curral de pedras em São José dos Ausentes avaliado em mais de 200 anos |
Se observarmos bem uma taipa, podemos ver alguns detalhes
curiosos. Ela tem a base mais larga do que o topo, tendo a forma de uma
pirâmide, quando vista de topo. Esta forma anula ou reduz muito a ação da
gravidade, evitando que a estrutura desmorone. Pedras maiores embaixo e o
tamanho vai diminuindo em direção ao topo criando-se uma malha de pedras equilibradas
e entrelaçadas como se elas se abraçassem para não cair. Encaixadas umas nas
outras de maneira precisa, formam um quadro abstrato que pode ser visto ao
longo de todo seu comprimento, já que não há uma pedra igual à outra. A cada
metro quadrado de taipa, um padrão de formas, ranhuras, reentrâncias e
saliências. Musgos, liquens e alguma gramínea fazem a composição de cores para
compor o quadro. Na diversidade de formas e encaixes das pedras cria-se uma
unidade que se torna sólida, longeva e imponente na paisagem.
O arame e o mourão de madeira ou pedra substituíram as taipas
na medida em que estes materiais se tornaram mais disponíveis e baratos. O
arame liso chegou ao Rio Grande do Sul a partir de 1870 e o arame farpado só
aportou por aqui lá pelo ano de 1913, importado dos EUA, de onde surgiu em
escala industrial em 1873. Hoje as taipas são ainda construídas, mais como
elemento decorativo do que funcional.
Antiga taipa divisor ade campos em Bom Jardim da Serra, SC |
Em algumas fazendas serranas ainda é
possível ver estes monumentos de pedra cumprindo ainda sua função de manter de
um lado os bichos de criação e de outro os homens. A taipa também se tornou um
um elemento que impedia a livre passagem de bichos nativos como o graxaim,
lagarto-teiu, cutias, zorrilhos e tantos outros menores que passaram a ficar
isolados. Separados uns dos outros por este muro, bichos e homens mantinham a
ordem nas estâncias. Uns encerrados para engorda e abate e outros encerrados na
lida campeira, que também não era nada fácil. Parece que as taipas separavam
apenas quem ia morrer mais cedo, no caso gado, porcos e galinhas, dos homens
que viviam um pouco mais, como que para honrar a construção das taipas que,
estas sim, viam a todos nascerem e morrerem por incontáveis gerações. Quanta
história poderia ser extraída da memória destas linhas de pedra que cortavam os
campos e tudo viam sem poder interferir no rumo das coisas, a não ser demarcar
os ambientes de cada um. Separar homens e animais como se fosse uma vingança
surda, lenta e permanente das pedras que foram desenterradas e empilhadas expostas
ao sol, chuva, geada e ventos sofrendo assim a lenta e derradeira morte pela
erosão, transformando-se em areia e solo. A sina das taipas...
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