Sei, por força do meu ofício de biólogo, que todo o animal
tem seu cheiro próprio, uma espécie de identidade aromática individual. A pele
dos mamíferos é rica em glândulas de vários tipos e funções, sendo que algumas
secretam odores específicos e que podem diferenciar espécies e mesmo os sexos
entre indivíduos do mesmo grupo.
Intrigado com este assunto resolvi, quando ainda era aluno na
universidade, descobrir qual era o meu verdadeiro cheiro. Num verão daquela
época fui acampar numa fazenda no Passo do Esse, na margem direita do rio
Tainhas. O objetivo era descobrir o meu verdadeiro cheiro de mamífero humano,
nascido e mantido limpo por 22 anos. O único material de higiene que levei foi
a minha escova de dentes, o resto da mochila tinha roupas e comida.
Passei uma semana inteira sem sabonete, desodorante ou
qualquer outro artifício químico que me removesse as secreções invisíveis da
minha pele. Assim comecei a semana tomando banhos de rio sempre que o calor
exigia, podendo ser várias vezes por dia, porque o calor era muito. Dia após
dia fui notando mudanças na minha pele que ficou mais oleosa e mais resistente.
A água era repelida cada vez com mais vigor, devido a gordura que se acumulava
e que a água não removia, sem os sabonetes habituais.
Lá pelo quarto dia já sentia o meu cheiro próprio, não
repugnante, mas forte e com uma identidade que me impressionou. 22 anos
removendo estes elementos de identificação individual e de repente ali estavam
eles, sem ressentimentos e com toda a sua força e característica. Misturado ao
cheiro próprio, ainda tinha um toque de fumaça da fogueira do acampamento, que
mantinha tudo com aquele cheiro de lenha queimada. O cabelo mais forte e mais
duro, evidentemente, era alinhado apenas com os dedos. Sim, naquela época eu
ainda tinha cabelos!
Descobri que é possível viver limpo sem usar de nenhum destes
produtos de uso diário. Higienizava os dentes apenas com escova e água. Criei
um cheiro próprio forte, constante, agradável e que me identificava profundamente
com o ambiente onde eu estava vivendo. Socialmente é impossível viver desta
forma, porque num ambiente de perfumes de vários tipos e intensidades, o cheiro
de uma pessoa que não os utiliza, torna a convivência impossível. Sabia disso
quando voltei e vi na expressão da minha mãe toda a angústia e preocupação: “por
onde tu andou guri, vai tomar um banho. ”
Ali terminou minha experiência de
conhecer melhor o meu cheiro. Levou quase uma semana para o meu cabelo voltar a
ser como no dia que fui acampar. Ele simplesmente se recusava a ficar como
antes. Parece que ouvia e sentia o protesto silencioso da minha pele dizendo
que se recusava a voltar ao seu estado anterior, sem seus cheiros próprios. Agradou-me
muito a experiência e compreendi mais um pouco da importância que os odores
próprios desempenham nas sociedades dos animais. Seja para bem receber ou para
bem rejeitar o indivíduo do convívio com o grupo.
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