quarta-feira, 16 de julho de 2014

O cheiro de cada um


Sei, por força do meu ofício de biólogo, que todo o animal tem seu cheiro próprio, uma espécie de identidade aromática individual. A pele dos mamíferos é rica em glândulas de vários tipos e funções, sendo que algumas secretam odores específicos e que podem diferenciar espécies e mesmo os sexos entre indivíduos do mesmo grupo.
Intrigado com este assunto resolvi, quando ainda era aluno na universidade, descobrir qual era o meu verdadeiro cheiro. Num verão daquela época fui acampar numa fazenda no Passo do Esse, na margem direita do rio Tainhas. O objetivo era descobrir o meu verdadeiro cheiro de mamífero humano, nascido e mantido limpo por 22 anos. O único material de higiene que levei foi a minha escova de dentes, o resto da mochila tinha roupas e comida.

Passei uma semana inteira sem sabonete, desodorante ou qualquer outro artifício químico que me removesse as secreções invisíveis da minha pele. Assim comecei a semana tomando banhos de rio sempre que o calor exigia, podendo ser várias vezes por dia, porque o calor era muito. Dia após dia fui notando mudanças na minha pele que ficou mais oleosa e mais resistente. A água era repelida cada vez com mais vigor, devido a gordura que se acumulava e que a água não removia, sem os sabonetes habituais.

Lá pelo quarto dia já sentia o meu cheiro próprio, não repugnante, mas forte e com uma identidade que me impressionou. 22 anos removendo estes elementos de identificação individual e de repente ali estavam eles, sem ressentimentos e com toda a sua força e característica. Misturado ao cheiro próprio, ainda tinha um toque de fumaça da fogueira do acampamento, que mantinha tudo com aquele cheiro de lenha queimada. O cabelo mais forte e mais duro, evidentemente, era alinhado apenas com os dedos. Sim, naquela época eu ainda tinha cabelos!


Descobri que é possível viver limpo sem usar de nenhum destes produtos de uso diário. Higienizava os dentes apenas com escova e água. Criei um cheiro próprio forte, constante, agradável e que me identificava profundamente com o ambiente onde eu estava vivendo. Socialmente é impossível viver desta forma, porque num ambiente de perfumes de vários tipos e intensidades, o cheiro de uma pessoa que não os utiliza, torna a convivência impossível. Sabia disso quando voltei e vi na expressão da minha mãe toda a angústia e preocupação: “por onde tu andou guri, vai tomar um banho. ”

Ali terminou minha experiência de conhecer melhor o meu cheiro. Levou quase uma semana para o meu cabelo voltar a ser como no dia que fui acampar. Ele simplesmente se recusava a ficar como antes. Parece que ouvia e sentia o protesto silencioso da minha pele dizendo que se recusava a voltar ao seu estado anterior, sem seus cheiros próprios. Agradou-me muito a experiência e compreendi mais um pouco da importância que os odores próprios desempenham nas sociedades dos animais. Seja para bem receber ou para bem rejeitar o indivíduo do convívio com o grupo.

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