segunda-feira, 2 de junho de 2014

O dia a noite e o céu de São José dos Ausentes, RS


O céu de São José dos Ausentes é o mesmo que cobre Canela, onde moro. O que muda então? O que o torna aparentemente diferente? Acho que é a soma de alguns fatores, a começar pelo horizonte amplo e com quase 180° de visibilidade. O campo dobrado com suas coxilhas arredondadas e destacadas no meio da paisagem permitem uma visão paradisíaca do ambiente. O pincel invisível que pinta as nuvens, cria verdadeiras obras de arte efêmeras como a sombra que projetam no campo. Os riscos paralelos foram de pinceladas rápidas, com pouca tinta, Já os acumulados denunciam o repouso do pincel, como se o criador do quadro estivesse pensando o que fazer. No conjunto, a obra mutante é um espetáculo.

Durante o dia ou à noite, o espetáculo é garantido porque se a lua está cheia, ou quase, a luminosidade tênue e prateada pinta a mesma paisagem com outros tons, como se dois quadros fossem pintados por dois artistas a partir do mesmo ponto.


Araucária em campo nativo 

Uma araucária isolada no campo parece o pincel que pita o céu, com seus galhos apontando para o alto, tangíveis no azul infinito. O quadro do dia,  com suas cores vibrantes e claras, faz o verde se destacar no fundo azul. No solo  a grama amarelada denuncia o final do verão, época de mudanças cromáticas na paisagem. A luz quente e clara do sol alegra tudo, fazendo as aves revoarem, cantarem ou gritarem, dependendo da sua genética. Tudo assume um ar de festa com a luz que tudo mostra e aquece.




Araucária em campo nativo sob a luz da lua cheia


Voltando ao mesmo local a noite, vejo o azul do céu escurecido, o que permite a visualização das milhares de estrelas que vivem espiando nosso planeta. O verde fica indefinido e as estrelas das Três Marias se abrigam sob os galhos da araucária, como se estivem procurando abrigo nesta imensidão do céu sem um local para se abrigarem do vento. O capim, pardo pela falta de luz, continua apontando suas espigas com sementes para cima, a espera do vento que as levará para longe, garantindo a nova geração do capim-caninha, nativo destes campos de altitude. O silêncio e o ar gelado do momento me remete as noites de acampamento, quando vagava pelos campos dos aparados da serra em noite de boa lua cheia.




Rio Silveira, São José dos Ausentes

A visão pela manhã do vale do Rio Silveira enche a alma com uma mistura de encanto, cores e estupefação. Fico olhando o quadro dinâmico e mutante a minha frente, vendo a água mudando de lugar e as sombras explorando outros recantos, escurecendo o que estava iluminado e deixando a luz mostrar o que escondera à pouco. Lentamente, de leste para oeste, esta mutação de cores e luzes vai migrando, assim como a temperatura que sobe, como se estivesse com ciúmes da luz
que pinta tudo de uma beleza rara e deixa o ambiente cada vez mais iluminado.


Rio Silveira sob a luz da lua cheia.



A noite, no mesmo local, a luz da lua cheia permite a visualização de alguns fantasmas e fazendo o movimento das águas do Rio Silveira parecer um caudal de prata líquida e fria, algo só possível no imaginário de quem está diante deste imponente e barulhento elemento natural com o espírito preparado e desarmado para ver aquilo que ali se apresenta. A noite o campo torna-se um lugar de respeito aos sentimentos que emergem da memória e saltam para fora, compondo o quadro, junto com a lua que abre passagem pelas nuvens no leste do vale. Pensamentos e paisagem se misturam e dançam  a música inaudível da paisagem. Passar um dia e uma noite por aqui me faz ver como a natureza pode ser impressionante, mesmo sem a presença do homem. Aliás, acho que é por isso que ela me impressiona.






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